PRIMEIRO ÁLBUM DE MÚSICAS AUTORAIS DO GRUPO NAÇÃO MALUNGOS

 

Nos dias 19, 20 e 27 de julho de 2025 estivemos no Estúdio MAJ, em Colatina, gravando as músicas que estarão presentes no primeiro álbum do CDCA Nação Malungos. Com produção de Marcos Penitenti e Jailma Lemos, da Maracá Instrumentos, e músicas selecionadas no 1º Festival de Cantigas Nação Malungos, o álbum é composto por 10 canções autorais que tratam não apenas de aspectos da capoeira, mas abordam temas contemporâneos como o lugar da mulher – dentro e fora das rodas de capoeira – e a importância de fomentar uma cultura de paz em meio a uma realidade bélica como a que vivemos. São oito músicas de capoeira e duas de sambas-de-roda que transmitem toda a energia e vibração do grupo.

O 1º Festival de Cantigas Nação Malungos contou com a presença de Mestre Coelho (Senzala Rios Claros | SP e Berimbatida) e da Instrutora Maritaca (Capura Raça, São Mateus | ES) na banca de jurados, que teve também a participação de Mestre Claudio e voto popular. Foram 28 músicas inscritas nas categorias “Intérprete” e “Música Autoral” que mobilizaram os alunos de Colatina e da Grande Vitória na noite de 17 de maio de 2025. O objetivo era selecionar as 10 músicas que iriam compor o álbum em um processo democrático e participativo. Não obstante, o que se viu foram várias composições de muita qualidade e intérpretes muito preparados, com destaque para as crianças e mulheres do grupo.

O álbum já está em fase de pós-produção e está sendo custeado com recursos da Lei Aldir Blanc de Incentivo à Cultura. Fique ligado nas nossas redes sociais e não perca o lançamento do primeiro álbum do grupo Nação Malungos!

Ficha Técnica (geral):

Berimbaus:

      Gunga: Cromado

      Médio: Aranha

      Viola: Ronaldinho

Atabaque: Contramestre Marcelo

Pandeiros: Caroço; Dilsinho

Agogô: Babalu

Côro: Mestre Claudio; Contramestre Pão Cru; Jéssica; Leonarda (Pitanga); Davi (Rugido)

Ficha Técnica (Samba-de-roda):

Atabaques:

      Rum: Cromado / Aranha

      Rumpi: Aranha / Mestre Claudio

      Lé: Ronaldinho

Pandeiros: Contramestre Marcelo; Contramestre Pão Cru; Caroço

Agogô: Penitente

Côro e Palmas: Jéssica; Leonarda (Pitanga); Dilsinho

 

Técnico de Som: Estevão Racanelli

 

Produção: Marcos Penitenti; Jailma Lemos (Maracá)

Falar é Prata (Cromado)

Das músicas apresentadas no Festival, esta talvez seja a mais rodada, já que é cantada por Cromado há algum tempo nas rodas que frequenta, não raramente marejando os olhos de quem escuta. É uma cantiga que reafirma o respeito como fundamento da capoeira, exaltando a dignidade de quem veste o abadá, independentemente de origem, idade ou gênero.

 

O que é a Capoeira pra você? (Elisa Veleda | Aranha)

E pra você, o que é a capoeira? É a pergunta que a música nos faz logo de início. Com a colaboração de um capoeirista mais experiente, estagiário do grupo, a aluna iniciante divaga sobre o universo recém-descoberto da capoeira, manifestação de conceito tão plural quanto a formação do povo brasileiro. Luta, música, dança, arte, cultura e tantos outros elementos presentes neste caldeirão que tornam a capoeira algo verdadeiramente ímpar.

 

Capoeira de Mulher (Elisa Veleda Del Mestre)

Lembrando que a roda de capoeira é um ambiente em que, infelizmente, reproduzimos o machismo vigente em nossa sociedade, a autora nos brinda com uma das mais belas canções do Festival. Partindo de uma afirmação enfática – “Capoeira de mulher é capoeira” e ponto final –, somos levados a refletir sobre o lugar e o papel da mulher na sociedade e a exaltar mulheres como Idalina, Rosa Palmeirão e tantas outras que se tornaram referência de força e inteligência.

 

Ê, viola (Ronaldinho)

Narrando suas dores e desventuras, o autor nos convida para conhecer seu mundo, seus percursos, em uma trajetória na qual um companheiro se faz presença constante: seu berimbau viola. O refrão promete embalar muitas rodas de capoeira mundo afora.

 

Malungueiro vai pra lá (M. Claudio) [Samba-de-roda]

No bairro de Maria Ismênia, em Colatina, basta perguntar por Mestre Claudio, o “Claudinho da capoeira”, que todos os dedos apontarão para o alto do morro, onde a família do Mestre mora e possui um terreno que frequentemente recebe alguma atividade do grupo. É para lá que se dirigem os malungueiros que, entre coités e aroeiras, vadiam e crescem juntos.

 

Tempero da roda (Cromado) [Samba-de-roda]

Nessa música é o cantador quem dita o ritmo, quem dá o tempero, da mesma forma como é o tambor quem dita os passos da sambadora. Sem esquecer que o Axé é o tempero maior das rodas de capoeira e de samba, somos convidados a interagir por meio de palmas, do côro e do samba no pé com essa vibrante cantiga.

 

Sou mandingueiro (Cheetara)

A letra fala sobre a necessidade de estar sempre atento às intenções ocultas, sejam nos gestos ou nas palavras, para não cair em armadilhas. Ela destaca a coragem e a determinação de quem enfrenta os desafios com força e equilíbrio, inspirada em uma conexão profunda com a ancestralidade. Além disso, reforça a ideia de justiça e resistência, mostrando que a verdadeira luta só é compreendida por quem a vive. É sobre saber jogar e se manter firme, dentro e fora da roda.

 

Mulher Guerreira (Jéssica Keury)

Composição que retrata a realidade atual de muitas mulheres brasileiras, especialmente aquelas que criam seus filhos sozinhas. Traçando um paralelo entre a roda de capoeira e as batalhas do cotidiano, a autora nos apresenta o universo de uma mulher que luta, trabalha, protege e, sempre que pode, sonha com um futuro melhor.

 

Apelo por paz (Jéssica Keury)

Em um mundo onde a violência está presente tanto nos pequenos gestos quanto em guerras devastadoras, a autora faz um apelo sincero por paz. Vencedora do Festival Vadeia Malungos realizado durante a pandemia, essa música possui um refrão que ecoa um desejo urgente: mais paz e mais tolerância.

 

Chorou (Cromado)

Assim como na roda de capoeira, na vida a gente também cai e se levanta o tempo todo. Por vezes a queda é tão dura ou inesperada que parece impossível se reerguer. É nesse momento que entram em cena a capoeira, o berimbau e os camaradas que nos ajudam a levantar e seguir em frente.

MUSICALIDADE, CULTURA POPULAR E RESPONSABILIDADE SOCIAL

Inspirado pelas conquistas recentes – reconhecimento de Mestre e Contramestre formados integralmente pelo grupo Nação Malungos, lançamento do primeiro álbum de músicas autorais do grupo e a própria possibilidade de lançamento deste livro –, Mestre Claudio abre a caixa de memórias para mostrar que tudo isto o que está acontecendo agora é, de alguma forma, resultado de movimentos que tiveram início lá atrás, antes mesmo de o grupo Nação Malungos ter sido criado.

O ano era 1988 e ainda não havíamos tido eleição direta para Presidente da República. O país começava a se libertar das amarras da ditadura militar, sustentada por interesses políticos e econômicos que alinhavam as elites nacionais a forças internacionais. A famosa frase de Delfim Netto: “É preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”, então Ministro da Economia nos governos de Costa e Silva e de Garrastazu Médici, não dava mostras de completar o ciclo: o bolo crescia para alimentar o topo da pirâmide, deixando apenas migalhas para a base. Nesse contexto, boa parte das iniciativas que buscavam algum tipo de redistribuição de riqueza e justiça social advinha de movimentos sociais, igrejas, organizações da sociedade civil e ação filantrópica.

Em Colatina, a figura de Jaider Batista da Silva, pastor da Igreja Metodista, destacou-se por reunir as condições materiais e humanas necessárias para desenvolver um trabalho voltado principalmente para crianças, adolescentes e jovens com poucas oportunidades. Jaider já mobilizava fiéis de sua igreja para distribuir mantimentos quando se deparou com uma roda de capoeira do grupo Nosso Senhor do Bonfim, comandado pelo Mestre Meia-Noite. O pastor não deu espaço para preconceitos quando convidou aquele negro alto, de músculos retesados, Pai-de-Santo de voz imponente, para realizar uma apresentação para sua comunidade. Ao final da roda, percebendo a liderança que Mestre Claudio – àquela época Professor Ligeiro – exercia, Jaider o procurou e convidou-o para dar aulas de capoeira. Onde? Dentro da própria igreja! Os bancos eram afastados e as aulas aconteciam, enchendo a igreja de crianças e adolescentes que participavam gratuitamente das ações promovidas pelo pastor e pela igreja.

Nessa época já havia o envolvimento do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) – organização que iria contribuir ativamente para a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990 – e aulas de percussão com Toninho, músico que fez parte da primeira formação da banda Afro-Reggae. Anos depois, já tendo ocorrido a filiação ao grupo Nação Malungos, a parceria com o MNMMR e os aprendizados nas aulas de percussão irão possibilitar a criação do Malungueiros, um bloco afro voltado para a percussão e tendo o Instrutor Toinzinho à frente das oficinas e na direção musical. Muitos foram os eventos organizados pelo grupo que tinham apresentações culturais dentre as quais se destacava o grupo de percussão.

A presença da cultura popular em diversos âmbitos possibilitou ainda que o grupo Nação Malungos fosse um dos responsáveis pela organização dos primeiros Festivais de Música de Colatina, o FestCol. Em suas primeiras edições, o Festival contou com a apresentação de músicos como Pereira da Viola e Zé Geraldo, tendo como participantes na disputa nomes como Efrahim Maia e Tibério Gaspar, um dos compositores de “Sá Marina”, música que ficaria imortalizada na voz de Wilson Simonal. Ao mesmo tempo, a capoeira permitia uma aproximação com os instrumentos que lhe são próprios e, juntamente com as aulas de percussão, possibilitava aos alunos um primeiro contato com elementos pertencentes ao universo da música, como ritmo, andamento, notas, conjunto etc.

Por conta disso, alunos que tinham alguma aptidão musical e que podiam se dedicar ao estudo de algum instrumento, fosse de percussão ou harmônico, começavam a estruturar projetos paralelos, como no caso do Forró Abaixo de Zero. O grupo, surgido a partir de uma brincadeira de estudantes do Ensino Médio (dois dos quais eram alunos do grupo Nação Malungos), começou a se apresentar de maneira mais séria a partir do envolvimento de outras pessoas, como o próprio Instrutor Toinzinho e o Instrutor Graveto, mas também de pessoas que não tinham ligação com a capoeira, como Rodson e Filippo.

Graças ao apoio do grupo Nação Malungos, o Forró Abaixo de Zero organizou um dos primeiros eventos totalmente voltado para o forró pé-de-serra do município de Colatina, historicamente ligado a outros formatos e tipos de forró, como o forró de teclado, o 2 em 1 e o vaneirão. O evento foi um sucesso e contou com a presença de duas bandas da Grande Vitória, os trios Flor do Serrado e Mar e Sol. O salão do Iate Clube de Colatina ficou lotado com pessoas das mais variadas idades, mostrando que o pé-de-serra também tinha espaço em Colatina.

Ao longo dos anos, a musicalidade inerente às rodas de capoeira permitiu que alunos se formassem não apenas como capoeiristas, mas também que desenvolvessem seu lado artístico e musical. O diálogo constante com as expressões da cultura popular fortaleceu o sentimento de pertencimento e identidade, enraizando a capoeira no cotidiano e na memória coletiva daqueles meninos e meninas. Ao mesmo tempo, a articulação do grupo com movimentos sociais e trabalhos comunitários instruía não apenas o capoeirista, mas o ser humano. A capoeira, dentro da filosofia de atuação do grupo Nação Malungos, sempre foi encarada como ferramenta de formação cidadã, capaz de transformar realidades e construir projetos de futuro. Assim, mais do que produzir bons capoeiristas, o grupo tem preparado cidadãos conscientes de seu valor, seu corpo, sua voz e sentido. A roda de capoeira, com seus toques, cantos e corpos em diálogo, torna-se espaço de acolhimento, resistência, convívio e responsabilidade mútua.

1 comentário em “PRIMEIRO ÁLBUM DE MÚSICAS AUTORAIS DO GRUPO NAÇÃO MALUNGOS”

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